Entrevistas

Macaco: o fogo queima o acessório e ilumina a mudança

“El Murmullo Del Fuego” é o sexto álbum de Macaco. Esta é a segunda parte de uma conversa que já abordou a homenagem deste mais-comunicador-que-cantor a José Saramago, bem como o poder do fogo em afastar a névoa e o sombrio.

– Esteticamente, as sessões fotográficas de “Puerto Presente” e “Le Murmullo del Fuego” são parecidas. Essa sessão foi feita no mesmo local, na tal costa onde bate forte a «tramuntana»?

Em cada disco tento jogar com linhas condutoras. Em “Puerto Presente” há todo o ambiente portuário, a questão do mar. Sou de Barcelona e esse ambiente é-me muito próximo. Em “Ingravitto” há o ar. Em “El Murmullo del Fuego” jogo com o fogo. Daí ter tirado as fotos num deserto. As de “Puerto Presente” foram feitas em Cadaqués, com toda essa paisagem esculpida pelo vento «la tramuntana». Para este disco, queria imagens mais avermelhadas, de cor de terra, então realizámos a sessão no deserto dos Monegros, no norte de Aragão. Gosto muito que as capas dos discos se pareçam com um livro de aventuras. As aventuras de Macaco [risos]. Isso encanta-me. É um pouco o reflexo das palavras que servem de linha condutora entre as canções. Neste disco, apesar de elas falarem de coisas diferentes, há palavras, pontos comuns que têm a ver com o fogo e com a luz: chama, sol, queimar, incendiar. Em “Puerto Presente” há canções como “Aguita”, “Amor Mariñero”, “Mensages del Agua”. Palavras que jogam com o simbolismo de gotas sobre gotas com as quais se enchem os mares.

– Parece-me que nos teus últimos discos estás a percorrer os cinco elementos. Já abordaste o ar, a água, o fogo. Será que o teu próximo disco se focará na terra ou na madeira?

– Voltando atrás, o primeiro disco “El Mono en el Ojo del Tigre” era um disco muito local, de bairro. Em “Rumbo Submarino” jogava com metáfora do que existe debaixo do mar. Era mais underground, sobre coisas que não se vêm mas que existem. “Entre Raíces Y Antenas” é o ponto intermédio entre o que está debaixo do mar e o externo. Em “Ingravitto” é o ar. Sim, jogando com os elementos, não tenho ideia como será o próximo disco porque os elementos estão-se a esgotar [risos]. Mas não há problema porque não falta a imaginação.

Quanto à produção do disco, queria um som mais orgânico. Há rumba, reggae, tambores, mas não há tantos sonzinhos electrónicos como em “Puerto Presente” ou “Ingravitto”.

– Mas há mais reggae que nos discos anteriores…

Há muito reggae, muita rumba, rumbas meio-tempo que parecem reggaes e bases rítmicas feitas com muitos tambores, surdos brasileiros.

– A “República de la Tramuntana” é, finalmente, um tema em catalão que gravas num dos teus discos…

Era uma coisa pendente. Algo que queria fazer há muito tempo. Como falo várias línguas, vivi muito tempo fora, sou um «chernego», uma mistura de diferentes raízes, de catalão e castelhano.

Há uns anos fiz uma colaboração com os Gossos através de um tema que escrevi – “Corren” – que foi um êxito enorme aqui na Catalunha, tal como “Tengo”, “Messages del Agua” e “Moving”, que também êxitos em outros países (México, Brasil, Argentina, etc). Havia uma conta pendente.

Como sou muito mediterrânico, muitas das minhas canções foram feitas entre Cadaqués (onde comecei a tocar e aprender o ofício de músico) e Maiorca. Fiz esta canção que se chama “República de la Tramuntana” em homenagem a um lugar maravilhoso, que é o Mediterrâneo, para toda a gente que queira ser bem-vinda a este local. Canção que tem sido um grande êxito aqui na Catalunha.

Depois desta experiência com os Gossos, com a aceitação desta canção na Catalunha, não pensas escrever mais temas em catalão? De certeza que as rádios da Catalunha prefeririam tocar temas teus na sua própria língua.

Creio que estas coisas têm que ser naturais. Como dizia o mestre Serrat, “eu cantarei a língua que me proíbem”. Canto o que me sai. Nisto sou super aberto. O público do Macaco é universal. No Brasil, no Japão ou nos Estados Unidos as pessoas vão aos concertos e sabem que canto em muitas línguas. Aceitam a minha mistura.  Não misturo todos os estilos, mas gosto de misturar línguas. O que me preocupa é que a canção, mais do que o idioma, te transmita um sentimento.

Este disco, as imagens, o título, muitas das palavras das letras das canções podem servir de metáforas para um novo mundo. Para uma realidade pós-apocalíptica. Para um início de uma nova civilização. Para o tal fogo que queima, mas que também pode iluminar um novo caminho…

Claro. Não sei se a expressão pós-apocalipse é a mais certa. Há muita gente que pensa que os Maias diziam que o mundo iria acabar em 2012. Não. Os que os Maias defendiam é que irá haver uma forte mudança evolutiva civilizacional. Nestas fotos, gosto do significado do queimar o que não queremos e do iluminar de um novo caminho. Quando te livras do que não queres, de mochilas muito pesadas que não levam nada, é quando és mais feliz. Creio que este é um momento certo para definir as nossas prioridades, sobre o que queremos e o que não queremos.

Para tentarmos ser mais frugais? Tentar viver melhor com menos?

Exactamente. Todos nós necessitamos de coisas, mas não gosto de extremos. Creio que este é um momento para reflexão. Para olhar internamente e verificar que nos hipotecámos, que comprámos dois carros e que só necessitamos de um. Se calhar não necessito nem de um.

Poderei ser mais feliz se andar de bicicleta pela minha cidade, de metro. Não tenho que pagar todo esse dinheiro e tenho mais tempo para estar com os meus amigos, para beber uma cerveja numa esplanada mais descontraidamente.

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