Béla Fleck, verdadeiro embaixador do banjo que já tocou com meio mundo, da clássica ao bluegrass e já conquistou mais de uma dezena de grammy awards, é um convidado de luxo de Oumou Sangaré no FMM de Sines 2012.
No sudoeste alentejano, conversámos com este nova-iorquino que, há meia-dúzia de anos, percorreu o continente africano, de costa a costa, com o intuito de procurar as raízes do seu instrumento de eleição e, com ele, comunicar e gravar com músicos locais, na Tanzânia, no Uganda, no Mali e na Gâmbia.
Registos que deram origem à série discográfica e video documental “Throw Down Your Heart”. Razão de ser do espectáculo que pudémos assistir entre Béla Fleck e Oumou Sangaré.
– O seu concerto com a Oumou Sangaré é resultado da viagem que fez por África à meia dúzia de anos que ficou registado na série “Throw Down Your Heart”. O que é que tinha em mente quando fez esta viagem para gravar com uma série de músicos africanos? Descobrir as raízes do banjo?
Houve duas coisas que me fizeram ir a África: a primeira, que o banjo é proveniente de África e que muitas pessoas se esquecem disso; a segunda é que verdadeiramente adoro música africana. Era um sítio onde gostava de tocar. Se gostas de jazz, gostas de tocar com músicos de jazz, ou se gostas de música indiana quererás tocar com músicos indianos. Para mim, a música africana sempre foi maravilhosa. Gosto particularmente da Oumou Sangaré. Ouvia pela primeira vez em 1998/99 e fiquei apaixonado como da primeira vez em que ouvi tocar um banjo. Sempre soube que o banjo tinha essas origens, mas precisava de ouvir a música certa para me fazer visitar África. Quando a ouvi, foi como se me tivessem a dizer para preparar as bagagens para a viagem. Antes, conheci-a nos Estados Unidos e ela disse-me que me ajudaria em África, especialmente no Mali, a encontrar-me com uma série de músicos de Bamako.
– E acabou por não se ficar apenas em Bamako, foi também a Ségou onde tocou com Bassekou Kouyaté que, inclusivamente, chegou também a dar concertos com ele nos Estados Unidos…
E com Anania Ngoliga, Cheick Hamala Diabaté, Baaba Maal, Richard Bona. Vi igualmente que o banjo comunica bem com música que não tem «feeling» africano. É divertido.
– O Bassekou Kouyaté toca n’goni que é provavelmente o instrumento que deu origem ao banjo. Um músico britânico, Justin Adams contou-me que nas ilustrações dos primórdios de Nova Orleães, na «Congo Square», existem desenhos de tocadores de n’goni e que esses escravos africanos passaram a construir o instrumento com um cilindro em vez da pele de cabra. Depois, os irlandeses e os escoceses das Montanhas Apalaches, começaram a tocar música celta com este instrumento africano. Soa-lhe bem esta história?
Perfeito. O n’goni foi importante, mas não foi o único. Foi também o Akonting gambiano que é uma espécie de banjo mais largo com cabaça e o Khalam. Quando os escravos chegaram à América eles construíram instrumentos com os materiais que encontraram. Primeiro com uma cabaça e pele, depois começaram-no a fazer de forma mais moderna, com metal e com o círculo mais perfeito. As coisas foram mudando lentamente…
– Quando visitou África e percorreu o continente de Costa a Costa, ouviu estilos muito diferentes de música.
Sim. E não há banjos em África.
– Como conseguiu comunicar e tocar com todos estes músicos? Provavelmente, foi mais fácil com tocar com músicos da África Ocidental (Mali, Gâmbia) do que da África Oriental (Uganda, Tanzânia)…
Não foi difícil para mim. Quando começamos a tocar toda a gente está feliz. Tínhamos intérpretes em cada país que nos ajudavam a comunicar. Mas os músicos têm interesses em comum, em estar sintonizado, em sentir o ritmo… os músicos são muito semelhantes em todas as partes do mundo. Entendemos-nos uns aos outros.
– O que é vamos ver hoje à noite? Uma espécie de encontro de música wassolou com o banjo de Béla Fleck?
– Bom, quando toquei com a Oumou Sangaré, ela tinha uma grande banda com violinos de duas cordas, percussão, guitarra eléctrica, bateria, baixo, mais três cantoras nos coros. Mas este grupo é mais pequeno, tem apenas quatro músicos… Ah, e o kamele n’goni. Benogo é um músico fantástico, apenas com seis notas faz mais do que a maior parte dos músicos consegue com todas as notas. É uma harpa, uma pequena cora com apenas seis cordas. É incrível o que ele consegue fazer com esse instrumento. De qualquer forma, são quatro músicos em palco. O baterista Will Calhoun, que toca nos Living Colour e uma série de músicas, o baixista Alioune do Senegal, o Benogo em Kamale n’nogi e eu. Somos quatro instrumentistas mais a Dandio (coros) e a Oumou. Gosto tocar em grupos mais pequenos porque há mais espaço para poder entrar na música. Tenho de também aprender mais sobre o que é correcto e o que não é correcto tocar. É também uma banda rock. Toco banjo eléctrico com este grupo. Mas trago também o meu antigo banjo Gibson de 1930 com o qual inicio a solo o espectáculo. Às vezes 10 minutos, às vezes 30 minutos, de acordo com o tempo que temos para estar em palco, para mostrar às pessoas o som que o verdadeiro banjo tem.
– Quantos banjos traz consigo?
Apenas dois. O eléctrico e o acústico.
– O concerto será maioritariamente música de Wassoulou…
Maioritariamente. Também uma música de Timbuktu (norte do Mali), uma das minhas peças instrumentais, e uma nova versão de “Djorolen” que gravei em “Throw Down Your Heart”. Alterei os acordes e o ritmo. Tocamos com muita energia, muito groove, muito rock, e depois aparece esta bonita canção.
– Nos concertos que tem efectuado, ora com o Bassekou Kouyaté, ora com o Toumani Diabaté, presumo que tenha tocado sobretudo música deles. Da região de Ségou e do império Mandinga. É fácil para si entrar na música de outras culturas?
Eu toco, eles tocam e eu oiço. Às vezes sei perfeitamente o que tenho de fazer e outras vezes improviso. Tento aprender, estudar e ensaiar alguma da música. Se não tenho hipótese de fazer isso tento tocar com o coração, com o que a minha sensibilidade diz ser o mais correcto. Isto é como o jazz. Aplico, uso a minha experiência de jazz para me fazer entender musicalmente com eles. Se o Toumani toca bonito e lento, tento fazer o mesmo. Não vou aplicar o meu jazz, o meu bluegrass.
Se for a um país estrangeiro, vai querer apender a língua, ouvindo-a…
Sim. Tem de se ouvir muito. Mas relativamente à música, vou aprendendo enquanto toco. Relativamente à língua, tens mesmo de a ouvir, não podes falar uma língua falsa. Mas com a música é possível “falar” uma outra língua. Tens uma escala, os ritmos, começas a tocar e vais verificando o que funciona e o que não funciona. Às vezes, ficamos surpreendidos porque resultou muito bem, outras vezes não funciona mesmo. É a vida. Tentamos sempre dar o melhor.
– Com quem mais irá tocar nos próximos meses? Continua em digressão com a Oumou Sangaré? Irá tocar com outros músicos africanos? Volta a tocar com os Flecktones?
Este ano estou a fazer um trabalho muito diversificado, porque no ano passado apenas toquei com os Flecktones. Tenho tocado com o pianista maravilhoso Marcus Roberts, também tenho tocado banjo solo com uma grande orquestra, alguns concertos a solo e uns espectáculos de bluegrass. Duetos com o Chick Corea. Muitas coisas diferentes, este ano. Não tenho planos de momento para tocar com músicos africanos. Só estou aqui porque a Oumou Sangaré me pediu e eu aceitei. Gosto destas experiências. É bom para a minha espontaneidade. Mantém-me vivo.
(c) fotos: FMM Sines – Mário Pires