Lista dos dez discos de 2014 da área exploratória e instrumental ou de instrumentistas, criada por músicos portugueses ou residentes em Portugal.
10. Ricardo Silva – “Semente” (Ed. Autor)
Num ano em que se gravaram vários discos de e com guitarra portuguesa, o jovem pombalense Ricardo Silva lançou a “Semente” que cresceu numa terra entre a delicadeza e agilidade do som lisboeta (afinação em dó) e o tom grave e de bordão do som coimbrão (afinação em si bemol). Um disco dividido em quatro partes de onde se destaca a homenagem prestada aos três Paredes (Carlos, Artur e Gonçalo) e às viagens que Ricardo Silva promove com o seu instrumento. Do percurso inverso de “Verdes Anos” ao “Summertime” de George Gershwin, ao universo do pop-rock à beira-Mondego que revisita com José Rebola as “Balalaikas” de Anaquim. Um disco autobiográfico e arejado que mostra um músico estudioso, mas despretensioso, com as antenas bem levantadas. “Semente” recebe as ilustres visitas de um dos seus mestres – Custódio Castelo (com ele a nunca a guitarra portuguesa tinha percorrido tantas milhas marítimas) – e de um dos seus colegas de curso na licenciatura deste instrumento no IPCB/ESAA – Ricardo Gordo (especialista em unir o universo da guitarra portuguesa com o heavy metal).
9. Raiz – “Mundos, uma Cidade” (Nosso Fado)
Bruno Fonseca (guitarra portuguesa), Inês Vaz (acordeão) e Miguel Menezes (contrabaixo) traçam um itinerário sonoro das muitas cores e cada vez mais cheiros da cidade de Lisboa. “Mundos, Uma Cidade”, como o próprio nome deste trio Raiz antevê, é um disco em que a guitarra portuguesa se apresenta a bordo de uma viagem do eléctrico 28 que atravessa a Mouraria (e recria o fado e o tango), o Loreto (recebendo influências da música erudita e do jazz da Rua dos Caetanos e da música brasileira da Horta Seca), o Poço dos Negros (onde se sente o aroma da morna e da cachupa). Valsas, milongas, viras, mornas, peças para guitarra portuguesa, um tributo a Charlie Haden (“Our Spanish Love Song”)… há aqui imensas Lisboas bem tocadas num só disco.
8. João Alvarez / Tiago Inuit – “Rota do Sul” (Ed. de Autor)
João Alvarez, compositor e instrumentista autodidacta de guitarra portuguesa e Tiago Inuit, baixista e produtor, reescrevem antigos e exploram novos caminhos deste cordofone lusitano. No projecto “Rota do Sul” há muita vida além Carlos Paredes. Há uma recriação de “Mudar de Vida” do Mestre, mas sobretudo composições originais que alargam o espectro geográfico da música para guitarra portuguesa. Um disco que inclui vários convidados: a fadista Maria Ana Bobone (que dá voz ao tema «Perdida de Mim»), o guitarrista de flamenco Vasco Hernandez, os violinistas Otto Pereira, Xuan Du e Natalia Juskiewikz, os percussionistas João Balão e Marco Santos e, do universo do fado, Durval Moreirinhas e Mário Estorninho (ambos em viola de fado).
7. Caixa de Pandora – “Teias de Seda” (Barqueiro de Oz)
Caixa de Pandora é o mais recente projecto de Rui Filipe Reis (piano, composição e produção), Cindy Gonçalves (violino) e Sandra Martins (violoncelo e clarinete). Um trio que já tem um longo passado em comum, através da partilha de experiências em projectos como Rosa Negra, Xaile e Sarrabulho, e que em Caixa de Pandora explora, no álbum de estreia “Teias de Seda”, um universo musical, ora dramático e tenso, ora pleno de candura e doçura. Um disco cinemático, colorido e em tons de sépia, fluido, denso e planante, com peças instrumentais muito bem tocadas que ecoam a fado, a tango, a valsa, a klezmer, a folk “celta” (e porque não também a new age) mas que soam, acima de tudo, à linguagem universal que a Caixa de Pandora conseguiu criar.
6. Mano Quarteto – “Número 1” (Ponto Zurca)
André Santos, ex-guitarrista de Teresa Salgueiro e fundador dos Melech Mechaya, enquanto instrumentista de guitarra clássica nunca escondeu a sua paixão pelo flamenco. Mano Quarteto é o desenvolvimento do seu trabalho mais pessoal, iniciado anteriormente em quinteto. Agora a oito mãos, com Nuno Tavares (piano) , Óscar Torres (contrabaixo) e Carlos Mil-Homens -(percussão), o Mano Quarteto edita o álbum de estreia “Número 1”, onde o flamenco, a música erudita e algum folk/rock progressivo e até mesmo klezmer (ainda que uns pozinhos em “Rapsódia nº1”), dialogam entre si através desse esperanto que é o jazz.
5. César Prata – “Futuras Instalações” (TMG)
2014 foi um ano intenso para o “arquitecto” sonoro César Prata. O mentor de projectos como Chuchurumel e Assobio andou em digressão com o mais recente duo Ai! (com Suzete Marques) e editou “Futuras Instalações” (em nome próprio). Um álbum em que o compositor, multi-instrumentista e manipulador de sons de recolha esboça uma “declaração pessoal acerca do estado da música portuguesa de tradição oral”. Cantigas de trabalho, canções de embalar de norte a sul de um tempo sem idade, com tempo para crescer, montadas numa espécie de instalação sonora assaz inovadora e experimental com recurso a programações e a uma míriade de instrumentos acústicos e objetos sonoros, como assobio, adufe, bandolim, bendir, birds, cana de bambu, canas, chocalhos de barro Red Clay, concertina, EWI, flautas de bisel contralto e sopranino, flauta índia, flauta transversal, guitarra, laptop, mangueira, melódica, ocarina, paisagens sonoras, palmas, pedras, peleiras, percussões com cascas, reque-reque, samples, sanfona, seabeen, taças tibetanas e tamboril. Qual espírito minucioso nipónico. Se César Prata fosse adepto do modelismo ferroviário, construiria certamente uma mega cidade em escala N.
4. Luisa Amaro – “Argvs” (Althum)
Luisa Amaro, intérprete e compositora pioneira da guitarra portuguesa, editou em 2014 a mais recente aventura deste instrumento ao largo do Mediterrâneo. No álbum “Argvs” a discípula de Carlos Paredes faz-se ao mar e simula a longa errância de Ulisses descrita em Odisseia, poema épico da Grécia Antiga escrito por Homero. Aqui, Luisa Amaro é acompanhada pelo sempre fiel clarinetista Gonçalo Lopes, pelo pianista italiano Enrico Bindocci e pela cantora cipriota Kyriacoula Constantinou (que dão uma amplitude sonora à música mediterrânica, da Grécia e do Chipre ao sul de Itália), para além de António Eustáquio que participa com o seu Guitolão no extenso e maravilhoso improviso de “Cardaes” que quase parece uma raga de Salento.
3. Bruno Pernadas – “How can we be joyful in a world full of knowledge” (Pataca)
Bruno Pernadas, professor, compositor e instrumentista em escolas de música e projectos como When We Left Paris, Julie & The Carjackers, Suzie’s Velvet e Real Combo Lisbonense, editou em 2014 o álbum de estreia a solo, “How Can We Be Joyful In a World Full of Knowledge”. Aqui, o versátil improvisador, transporta-nos numa viagem improvável e inesperada, trilhada em carris ambientais e exóticos, ora calmos, ora turbulentos, sofrendo fortes guinadas de jazz improvisado e de ritmos circulares africanos. Ora oiçam “Ahhhh” e sintam-se algures no norte do Mali, entre o deserto do Sara e as margens do Rio Niger.
2. Sete Lágrimas – “Cantiga” (Arte das Musas)
Há quinze anos a esbater a ténue fronteira entre a música antiga (viva) e a contemporânea, entre a popular de transmissão oral e a erudita, o consorte de música maior Sete Lágrimas lançou-se em 2014 numa nova aventura. Depois do périplo marítimo de “Diáspora.pt” que percorre o Atlântico e Índico, Filipe Faria e Sérgio Peixoto recriam as sete cantigas de amigo do jogral galego do Sec. XIII Martim Codax (que deu nome aos prémios da indústria fonográfica galega que conferem selo de qualidade às produções locais da actualidade). Um disco que, à semelhança das obras anteriores editadas pela Arte das Musas (uma mistura de ECM e Alia Vox à portuguesa), seduz antes de o escutarmos pelo concepção gráfica da capa e do booklet. O Sete Lágrimas é constituído por Filipe Faria (voz), Sérgio Peixoto (voz), Pedro Castro (flautas, oboé barroco e gaita de foles), Tiago Matias (alaúde, vihuela, saz), Mário Franco (contrabaixo), Rui Silva (Percussão histórica).
1. Júlio Pereira – “Cavaquinho.pt” (Tradisom)
Júlio Pereira, o “homem do cavaquinho”, 30 anos após o lançamento do álbum que o popularizou (“Cavaquinho”), voltou a colocar no centro do universo este cordofone minhoto que deu a volta ao mundo ao longo dos séculos, tendo deixado descendência na ilha da Madeira, no Brasil, em Cabo Verde, no Havai e na Indonésia. 2014 foi um ano enorme para o incansável Júlio Pereira que pôs em marcha a Associação Cultural Museu Cavaquinho, abriu o site cavaquinhos.pt (para documentar, preservar e promover a história e a prática deste instrumento), estreou a exposição “70 cavaquinhos / 70 artistas” no Mosteiro dos Jerónimos e andou com o seu quarteto portátil pelos principais festivais folk / world nacionais (e não só). “Cavaquinho.pt” é um álbum-livro (cuja edição de luxo de 112 páginas faz dele uma obra ainda maior) em que este instrumento é a caravela do século XXI que rasga o Atlântico e percorre o universo lusófono, da Galiza de Uxia (mais uma bela versão da “Laranxa”), ao Brasil de Luanda Cozetti (e porque não de Sofia Vitória que também nada com os “Peixinhos do mar”) e a Cabo Verde de Sara Tavares (onde o malhão amolece e amornece). Um disco que é uma verdadeira “pulga saltitante”, entre estilos, geografias, que exala virtuosismo e, sobretudo, uma imensa alegria em peças como “Salta Celta” ou como a “Laranxa” galega.
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