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MASTER MUSICIANS OF JAJOUKA: Ecos da “mais antiga música da terra”

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MASTER MUSICIANS OF JAJOUKA
Ciclo Paul Bowles “Um Abrigo na Terra”, CCB – Lisboa
31 de Março 2007
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Há músicas que são mais duras do que o granito e que permanecerão sempre em estado bruto, imunes ao corroer dos tempos. Haja o que houver. Furacões, tsunamis, dilúvios. Há 3 ou 4 mil anos que a música dos MASTER MUSICIANS OF JAJOUKA é imutável, como um ritual sagrado passado de pais para filhos e que se aprende assim que se começa a andar, conjuntamente com os actos mais mundanos de uma tribo, como caçar ou pescar. Mas se estas e outras tarefas (como semear e colher o que a terra dá) necessárias à sobrevivência de um povo vão evoluindo (tornando-se mais mecânicas e menos manuais), a forma com que os discípulos do sufi Sidi Ahmed Sheikh (santo que levou o islamismo a Marrocos e fundou a aldeia de Joujouka) tocam ghaita (aerofone estridente, espécie de oboé, ou de bombarda bretã), lira (flauta de bambu), gimbri (alaúde de três cordas tocado também em cerimónias de transe gnawa), diversas percussões rústicas (tebel, tariyya) e se cobrem de pele de cabra para encarnar Boujeloud e dançar em memória desta espécie de Minotauro das montanhas Rif que clama fertilidade para as suas terras e para aqueles que nelas (e delas) vivem, deverá ser a mesma de há 1300 anos (quando a família Attar começou a tocar na corte para os sucessivos Sultões da dinastia Alawi). É curioso que, nem mesmo o facto de esta estranha e estridente música andar em ouvidos ocidentais há mais de meio século, de o seu actual mentor – Bachir Attar – ter vivido (nos anos 90) entre Marrocos e Nova Iorque (e aí ter tocado com uma miríade de músicos da “downtown”) e de o som dos JAJOUKA já ter sido desconstruído por diversas vezes (ora por BILL LASWELL, ora por TALVIN SINGH), não acusar quaisquer resquícios de miscigenação, de adulteração. O mesmo acontece com a expressividade qawwali do imortal paquistanês NUSRAT FATEH ALI KHAN (outro sufi que misturou a sua arte de cura com “ingredientes” ocidentais, mantendo a matriz intocável) que nos faz entrar nos “jardins de éden” sempre que escutamos a sua voz.

Esta é uma música que não se aprende a tocar, é uma música que nasce com quem a toca e dança. É uma arte de transe e de cura e só desta forma podemos entender o elevado grau de poder e de estridência que emana das ghaitas, as longas espirais sonoras de mais de uma dezena de minutos (nas montanhas Rif devem ser horas…) em direcção ao infinito, à “interzone” de Burroughs, quebradas, ora pela graciosa beleza das liras, ora pela magia introespectiva do gimbre em rota de colisão com a música gnawa menos avassaladora em termos rítmicos.

Nesta actuação no grande auditório do CCB, de maior duração quando comparado com a do FMM de Sines de há dois anos e meio, notou-se uma maior variedade de estilos, com uma melhor sequência entre as partes. Apesar de as cadeiras não estorvarem o delírio da plateia, sentiu-se a falta do ambiente natural. Não tanto do Castelo de Sines, mas de uma montanha com pelo menos 2000 mil metros de altitude. Não seria mal pensado voltar a trazer esta troupe de sufis marroquinos às Penhas Douradas (de preferência no Outono ou no Inverno).

  • Veja um vídeo de 11 minutos de actuação dos MMJ no CCB, no blog Retorta

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