Terceira e última parte da entrevista com a maliana Rokia Traoré, a propósito do seu regresso ao nosso país para apresentar no FMM de Sines o mais recente álbum, “Tchamantché”
Uma das suas canções refere que toda a riqueza de África atrai guerras e chacina. Este não é um problema que tem a ver com a qualidade de muitos dos líderes africanos? Por exemplo, muitos músicos como o Thomas Mapfumo do Zimbabué, têm de viver no exílio por questões políticas. Por ter escrito canções com os nomes de “Disaster” e “Corruption”. Na sua opinião, qual será a solução para tornar a riqueza dos recursos naturais em bem-estar e prosperidade?
A solução é tão complicada como o problema em si. Alguns líderes africanos estão a vender todas as riquezas, não sei a quem. Mas se os líderes europeus não tivessem mesmo nada a ver com isto, o problema seria mais simples de resolver. Mas é mesmo complicado. No Mali, é muito difícil de concretizar os projectos que tenho em mente. O colonialismo foi uma coisa muito má para África. Muitas das pessoas estão de mãos atadas, não podem realizar os seus sonhos. A corrupção é a forma que muitos têm para melhorar a sua vida. O dia de hoje pode ser mais fácil, mas amanhã voltará a ser difícil outra vez. A corrupção é como um enorme buraco sem janelas e sem portas. E quando esse buraco cresce, não há forma de sair dele. O problema de muitos africanos é que vêem esse buraco ficar maior e continuam felizes. É muito difícil para mim falar da classe política africana porque eu não gosto de falar sobre um meio que eu não conheço. Não faço parte da classe política e, por isso, não sei o que custa ser um líder político em África. Quando um líder político começa a governar um país africano, poderá achar que o poder totalitário é o melhor. Mas, para ele, isso não será boa coisa. É sempre melhor que toda a população lhe peça resultados. O grande problema em África é que as populações não sabem como questionar os políticos.
O povo não está informado…
Não
Mas os músicos vão informando o povo…
Certamente. Mas há certos limites. A democracia é uma cultura de escrita, de leitura. A maior parte da população não vai à escola e não sabe ler e escrever. De momento, pensamos que o poder militar não é uma coisa boa para África, mas eles trouxeram a democracia e esta tem de ser construída. As pessoas têm de ter tempo para compreender como este sistema funciona. Há jornalistas que vão fazendo o seu trabalho, mas isso não é fácil. Porque os líderes não gostam do contraditório. E a democracia sem contraditório é mais eficaz do que o poder militar. África tem este paradoxo. Penso também que o trabalho de um líder é muito difícil. A democracia está a desenvolver-se, há mais jornalistas, há mais músicos, há mais jovens a irem à escola. As populações têm mais educação e maior capacidade de pedir contas aos líderes. Mas este progresso não é ainda usado pelos líderes de forma mais positiva. Sentem-se chocados com algumas reacções e, de uma maneira geral, ainda não fazem aquilo que deveriam fazer. É complicado. Ao mesmo tempo, quando há eleições, as pessoas votam em quem lhes dá uma t-shirt. O programa não tem qualquer valor.
Acontece o mesmo em Portugal. T-shirts, canetas, sacos de plástico e até mesmo electrodomésticos…
Por causa da extrema pobreza as pessoas contentam-se com pouco. Vendem-se por 10 euros. Não pensam que se trabalharem de forma árdua mais um pouco, podem ganhar mil euros amanhã. Toda a gente quer dinheiro rápido e fácil. Penso que teremos de trabalhar a parte psicológica e social das populações.
Este álbum é uma homenagem a Ali Farka Touré. Porquê? Por ele ter sido um músico de excepção? Um homem que comunicava com os espíritos do Rio Níger? Ou por ter sido aquele que também realizou através da agricultura enormes progressos sociais na aldeia onde vivia? O tal homem que preferiu trabalhar de forma árdua e não cedeu à vida fácil, que «pegou na cana de pesca e começou a pescar» e que nunca quis viver fora do Mali e que é um modelo para o desenvolvimento de África?
Penso que é tudo isso que acabou de descrever. Era uma das grandes estrelas de África. Não tenho mais nada a dizer, você disse tudo. Este disco não é suficiente grande para homenagear a pessoa que ele foi.
“Tchamantché” acaba com um tema escondido que é uma versão de “The Man I Love” imortalizado por Billie Holiday. Tem planos para gravar repertório de Billie Holliday com a Diane Reeves?
De facto, eu a Diane Reeves fizemos a digressão «Bilie And Me» em que cantámos juntas vários temas da Billie Holiday. Foi uma grande experiência. No final desta digressão queria continuar o meu tributo à Billie Holiday, porque é uma cantora que gosto muito. Gostava de dar continuidade a este tributo. Um jornalista disse-me que não havia nenhuma cantora africana que tivesse gravado este repertório. Fiquei muito satisfeita em gravar “The Man I Love”. Para já, não há nada planeado. Vamos ver o que acontece no futuro.
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