Entrevistas

[Entrevista TOUMANI DIABATÉ]: O explorador desconhecido

É um dos nomes mais sonantes do cartaz do FMM de Sines. No próximo dia 27 de Julho, TOUMANI DIABATÉ, acompanhado pela sua SYMMETRIC ORCHESTRA (que esteve há seis meses atrás no Sons em Trânsito de Aveiro) apresenta ao vivo o álbum “Boulevard de L’independance”, editado este ano pela World Circuit.

Quando os media noticiaram que Ali Farka Touré tinha gravado um novo disco com uma revelação da música africana, esqueceram-se de alguns detalhes: Toumani Diabaté, já conhece os palcos ocidentais há mais de 20 anos. Se não é o tocador de kora mais conhecido do mundo é, pelo menos, o mais virtuoso e o mais fusionista.

Nasceu numa família griot que o predestinou para a carreira de músico. Há mais de setecentos anos e setenta e uma gerações que a família de Toumani Diabaté vai passando o testemunho dos mais velhos para os mais novos, na ânsia de manter a tradição da etnia mandinga viva. Nobre arte da corte do imperador Kouyaté onde os bardos são exímios na arte de tocar um instrumento (ou kora, ou balafon) e de transmitir oralmente histórias épicas de reis guerreiros. Daí que Toumani nos diga “a música é a melhor forma de comunicar”, não só com os mandingas, sobretudo com gente de todo o mundo. Desde o final dos anos 80 que Toumani Diabaté quer “abrir uma nova janela para a kora”, dando-lhe “uma nova direcção”. O britânico Danny Thompson, os espanhóis Ketama, os norte-americanos Taj Mahal e Roswell Judd permitiram-lhe explorar territórios desconhecidos da kora que vão desde a folk britânica, ao flamenco, blues e jazz. “Por isso é que gravei com tantos músicos”, revela-nosToumani Diabaté. “Falei com a minha anterior editora [a Ryko Hannibal Records de Joe Boyd] e eles tornaram esses encontros mais fáceis. Isso é o meu sonho. Há músicos que não gostam de tocar outro tipo de música, mas isso não é para mim. Gosto de fazer fusão. Que comuniquem com a minha música.” Apesar de toda esta aventura, nunca esqueceu a profunda ligação com a tradição mandinga, tendo gravado com o seu primo Ballaké Sissoko o belíssimo e clássico álbum “New Ancient Strings”. Um tributo ao disco “Cordes Anciennes” que os pais de ambos (Sidiki Diabaté e Djelimadi Sissoko) registaram nos anos 70.

Toumani Diabaté começou a tocar kora aos cinco anos de idade. O pai não tinha tempo para o ensinar e, confessa-nos desenvolveu a toda a sua técnica e magistral improviso “por mim próprio” e “a ouvir gravações do meu pai e do meu avô”, além de ser influenciado pela “música de Otis Reading, Jimi Hendrix e Bembeya Jazz que passava na rádio”.

Reencontro, vinte anos depois.

“In The Heart of The Moon”, belíssimo álbum que Toumani gravou com Ali farka Touré no Mali, no Hotel Mande de Bamako, e que acabou por conquistar o grammy de “world music”, porque “a mistura entre mim e o Ali foi fantástica”, trouxe para a ribalta um prolífico músico a quem finalmente foi reconhecido o seu talento. Não é de admirar por isso que Toumani agradeça tudo o que a editora World Circuit tem feito pelo reavivar da sua carreira de artista. “Tudo em que eles tocam é um êxito”, confessa.

Há vinte anos atrás, Toumani Diabaté teve a oportunidade de tocar, de forma informal com Ali Farka Touré, num concerto do guitarrista. “Éramos dois músicos malianos a viver em Londres. Se não tinha nenhum concerto nessa noite e se sabia que o Ali estava a tocar, ia vê-lo. A certa altura, saltei da audiência para ir acompanhá-lo numa música. Sabia que naquela música ficava bem uma ‘calabash’ e ele estava sozinho em palco. Ele ficou muito contente. A World Circuit gravou esse concerto e editou esse tema em CD”. Vinte anos mais tarde, voltam a encontrar-se para gravar “In The Heart of The Moon”. Um disco que foi fruto da intuição do visionário Nick Gold.

O patrão da World Circuit comenta que “Ali Farka Touré queria tocar o tema Kaira [de etnia mandinga] nos seus concertos e nunca ficou satisfeito com isso. Pensámos então em convidar o Toumani para gravar com ele esse tema para ser incluído no próximo disco do Ali. Foram para estúdio sem nada preparado. O Ali começou a tocar as primeiras notas. O Toumani acompanhou. Passados cinco minutos estavam a tocar outro tema. Sentimos que havia muita interacção entre eles e sugerimos gravar um álbum inteiro, sem qualquer tipo de preparação prévia”. O resultado: um álbum inteiro concluído em pouco mais de três horas, gravado continuamente, tendo registado apenas uma única interrupção provocada pela trovoada (eram, certamente, os espíritos do Ghimbala a manifestarem-se). Nick Gold refuta a teoria que parece ter saltado para a crítica especializada na qual se diz que o virtuosismo de Toumani Diabaté ofuscou toda a genialidade do “tigre do norte”. É verdade que “Ali providenciou uma base de trabalho para o Toumani ser livre. Este não teve de tocar linhas de baixo ou ritmo. Estava completamente livre para improvisar”. Mas também não é menos verdade que “cada vez que oiço o disco, sinto o Ali a puxar subtilmente o Toumani para várias direcções. O Ali teve uma grande influência no que o Toumani fez”.

As sessões contínuas do Hotel Mande

Improvisador, professor, músico de conservatório, compositor e líder da Symmetric Orchestra. Toumani Diabaté é um griot que respira música para viver. Em 1992 fundou a orquestra com quem gravou o segundo disco das sessões do Hotel Mande de Bamako (cuja trilogia completa-se com a edição do disco que Ali FarkaTouré acabou duas a três semanas antes de morrer). Em 13 anos, nunca teve a oportunidade de levar para um estúdio em Inglaterra ou nos Estados Unidos dezena e meia de músicos griots oriundos de diversos países mas com um tronco familiar comum. A Ryko Disc / Hannibal “não tinha dinheiro para gravar este disco, pois implicava um investimento muito grande gravar com uma grande orquestra a tocar ao mesmo tempo”. Ao levar uma vez mais o estúdio móvel para o Mali, Nick Gold resolveu o problema dos incomportáveis custos que a mobilidade dos músicos envolveria.

Ao longo destes anos, Toumani continuou “a gastar todo o dinheiro” com a orquestra que une a a música mandinga mais tradicional com a sonoridade urbana das bandas de animação nocturna, com guitarras eléctricas, bateria e teclados, interpretando repertório que pode ir desde a música de kora da Gambia, passando pelo mbalax senegalês, aos ritmos dançáveis de influencia latino-americana. Léxico dominado projectos como Africando, a Orquestra Baobab ou a Bembeya Jazz.

Todas as sextas-feiras costumam tocar no Hotel Hugon Club de Bamako (e em outros clubes do Mali). Espaço que acolhe “todo o tipo de pessoas (de ministros, a motoristas e a carpinteiros)” e que funciona como “um laboratório de experimentação musical. Gosto de tocar com todos os músicos que aparecem. Usualmente, gravamos a sessão e ouvimo-la.” Os músicos vão e vêm. Chegam do Senegal, do Burkina Faso, da Gâmbia e da Guiné, ficam em minha casa e tocamos durante todo o dia.

No final deste ano, início do próximo, Toumani Diabaté editará mais um álbum (agora a solo) pela World Circuit e que, de acordo com o griot é “melhor do que o ‘In The Heart of The Moon’”. Esperamos que seja verdade.

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