Discos

GAITEIROS DE LISBOA: Força mágica de Sátiro

GAITEIROS DE LISBOA
Sátiro
Sony-BMG

Há uma força mágica (ou obra de Satanás) que me leva a não conseguir largar a música dos GAITEIROS. Ao longo de vários anos fui seguindo a forma apaixonada como trabalham sobre a música tradicional portuguesa, reinventado-a.

Cada disco novo agarra-me pelos cabelos. Depois a música vai-se entranhando, vão-se descobrindo os pormenores, as canções tornam-se amigas e membros da família, daqueles de quem se gosta e com quem fazemos noitadas, que tanto podem terminar em conversas serenas sobre o sentido da vida, como em festas demoníacas.

É sempre de festa que falo quando digo GAITEIROS DE LISBOA. E fazer uma boa festa dá trabalho. Os ritmos contagiantes, vistos com mais atenção, são entrançados, endemoninhados, tortuosos; as melodias são mais que infantis; as harmonias fazem todo o sentido e, em lume forte, se cozinha esta amizade com os discos que guardamos ao longo dos anos à cabeceira.

Junta-se agora ao grupo de amigos SÁTIRO, o quarto disco dos GAITEIROS. E entra de rompante pela sala chamando a atenção de todos, como se quer do puto mais novo da família.

É um disco onde se voltam a fundir todos os elementos que fazem a música dos GAITEIROS: os coros e polifonias, os instrumentos por eles construídos, as mais diversas percussões e sopros, com as gaitas em menor destaque neste disco, o que nem é propriamente uma novidade, nem é necessariamenta mau.

Pontos altos desta festa de Belzebú:

“Nem fraco nem forte” (AMÉLIA MUGE / JOSÉ SALGUEIRO): viciante e dançável canção conduzida pelo pulsar criativo das percussões e por um vigoroso refrão.
“Comprei uma capa chilrada” (CARLOS GUERREIRO): é uma das melhores (e mais complicadas) lengalengas que os GAITEIROS já produziram, terminando num enérgico lamento, em tons ocre do Norte de África.
“Movimento perpétuo” (CARLOS PAREDES): já editada na compilação de homenagem ao guitarrista. Génios descomplexados em diálogo, transfigurando uma guitarra num festim de xilofone e sopros.
“As freiras de S.ta Clara” (Popular/CARLOS GUERREIRO): uma canção sobre freiras com 3’33”, até aqui tudo bem; o sinal da conjura de Lúcifer está no fim, quando o repeat é inevitável, e o tempo da canção duplica. Só porque nos apetece chegar de novo àquela gaitada final.
“Haja Pão” (JOSÉ SALGUEIRO): uma orgia de ritmos e gaitas de amolador, com a voz de RUI VAZ a planar sobre a chuva que se anuncia, que sempre se anuncia quando passa o homem, que na sua bicicleta amola facas e tesouras e arranja os guarda-chuvas.
“Os versos que te fiz” (FLORBELA ESPANCA / CARLOS GUERREIRO): a doce voz de MAFALDA ARNAUTH e o som das flautas de pan faz-me acreditar que vou a caminho do céu, mefistofélico embuste.
“Se fores ao mar pescar” (Tradicional do Alentejo/JOSÉ MANUEL DAVID): é fácil explicar a qualquer iniciado na obra dos GAITEIROS. Polifonias, Alentejo, RUI VAZ e JOSÉ MANUEL DAVID. Foi por isto que primeiro me apaixonei quando ouvi INVASÕES BÁRBARAS. Coisas do Demo.

Pedro Almeida Sousa

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