Discos

set(e) de folk do norte de Espanha

MERCEDES PEÓN
Isué
( Resistencia / Sabotage )

O mais interessante que a Galiza nos tem oferecido em termos de música folk, sempre foi dominado pelo lado depurado de interpretar a rica tradição de muñeiras, foliadas e alvoradas. Quer pelos MILLADOIRO que estão para a música galega como dos CHIFTAINS estão para a irlandesa – uma instituição intocável pelo extenso trabalho até hoje produzido a quem se desculpa um álbum menos conseguido – quer pelos LUAR NA LUBRE (primeira fase, até “Cabo do Mundo”) que impõem uma perfeição onírica às entranhas da pura tradição local, sem terem necessidade de correr riscos.
Demarcando-se do terreno pantanoso de um dos maiores aventureiros galegos – CARLOS NÚÑEZ – cuja brilhante técnica de gaita de foles tem sido abafada pelo mau gosto das suas composições, MERCEDES PEÓN assume-se como uma das principais estetas da revolução da folk do Norte de Espanha, ao lado dos progressistas e celestiais BERROGÜETTO. Mas PEÓN vai muito mais além do que a banda do criativo instrumentista ANXO PINTOS.
“Isué”, o álbum de estreia da cantora, compositora, gaiteira, pandeireteira, dançarina e responsável por algumas recolhas de temas aqui incluídos, subverte a habitual rigidez de abordagem à música galega, tornando-se num legítimo candidato ao estatuto de “Kaksi” ibérico. Partindo de uma base assaz regional, na qual se pode escutar que o “Galego que non fala a língua da sua terra non sabe o que tem de seu”, MERCEDES PEÓN parte em busca do mundo que a rodeia: da confluência melódica arábico-mediterranico-balcânica em “De Seu”, ao transe rítmico tribalista e quente da África Negra e Muçulmana, às abrasadoras e misteriosas vozes xamânicas de gélidas latitudes, sem esquecer de arriscar numa experiência tecno-pop (“Sombra de Luz”) menos feliz e no tom festivo ska-folk algo gasto (“Adorno”), com alguns contornos saudosistas evocativos dos Pogues.
“Isué” é, para concluir, um puzzle que prima pela diversidade e MERCEDES PEÓN é uma compositora-cientista em constante experimentação e refutação de teorias, nunca esquecendo a base de todo o seu trabalho: as recolhas que fez em solo Galego.

FALTRIQUEIRA
FALTRIQUEIRA
( Resistencia / Sabotage )

Na Galiza, os gaiteiros e as pandereteiras são tantos e tantas que, às tantas, acabam por formar grupos de gaitas e de pandeiretas (com tarrañolas incluídas). As cinco FALTRIQUEIRA, são o resultado daquilo a que se pode chamar um casamento feliz entre a tradição vocal “alala” e toque de transe mortífero das pandeiretas, que nos fazem lembrar os nossos adufes de Monsanto, ou os bendires do norte de África. Como jovens que são, arrepiam caminho fugindo da rígida tradição, em direcção à fusão bem conseguida pelo produtor basco (do lado francófono) PASCAL GAIGNE. A matéria prima é de primeira qualidade: emotivas, quentes e frescas vozes que possuem a mesma força e vivacidade das finlandesas VÄRTTINÄ (fase “Oi Dai” – “Seleniko”). Uma flecha de cupido apontada ao nosso coração. É amor à primeira audição. A partir daqui, GAIGNE dá-nos o universo luso-galaico (sim, porque como boas galegas que são estas meninas interpretam “As Sete Mulheres do Minho” de Zeca e a “Cantiga Bailada” recolhida na discografia da BRIGADA VICTOR JARA) em confluência com o resto do mundo. Há temperos árabes (alaúde, saz, darbukas), da áfrica negra (djembé) e sul americanos (cajón, berimbau), à mistura com orquestrações mais clássicas (oboé, violoncelo, violino). Mas, o melhor é mesmo o confronto Galiza-País Basco. KEPA JUNKERA e OREKA TX escolheram as armas do costume: trikitixa e txalaparta. O duelo de “Labrada de Cortellas” é sublime. Como magnífico é quase todo o disco, que peca apenas, aqui e ali, pelos excessos de PASCAL GAIGNE. Perde-se em floreados, por vezes, desnecessários.


SUSANA SEIVANE
Susana Seivane
(Do Fol)

Com um domínio perfeito do seu instrumento de quem começou a tocar aos 3 anos de idade, Susane Seivane pode não tocar de forma tão sensual quanto a inglesa Kathryn Tickell (esta também é uma gaita de foles mais estridente), mas oferece-nos a beleza e alegria própria de quem dança uma muñeira ou uma jota, e a subtileza de quem opta por uma valsa. Descendente de uma família de gaiteiros, Susane Seivane segue à risca a tradição, sem grandes riscos de inovação, num álbum que prima pela simplicidade.

BERROGÜETTO
Viaxe Por Urticaria
(Do Fol)

Ao segundo álbum, os BERROGÜETTO, a par com os LUAR NA LUBRE, mantêm o estatuto de legítimos herdeiros da tradição galega de texturas épicas, próprias de uns MILLADOIRO. Enquanto esta instituição se mantém de pedra e cal num formato sonoro que parece estagnado no tempo, ambos os projectos têm colocado uns laivos de modernidade, mantendo a mesmo formato sideral de uma música que activa a nossa imaginação e que nos induz à criação, na nossa tela mental, de imagens e sonhos utópicos, próprio de um título como Viaxe Por Urticária. Local em que se mistura imaginação e realidade e onde tais sonhos podem ser levados a sério. À beleza das melodias ancestrais, sucede algum nervo nos arranjos e composições próprias de ANXO PINTOS (um gaiteiro tão virtuoso quanto NÚÑEZ) que expandem tal tradição para outros universos. Uma evolução galega com os pés bem assentes na terra, mas que resvala , sobretudo na inclusão do saxo soprano e de teclados atmosféricos.

TEJEDOR
Llunáticos
( Resistencia / Sabotage )

A música folk, sobretudo no norte de Espanha é um fenómeno de massas. Os gaiteiros e as gaitas de foles continuam na moda. Os festivais crescem como cogumelos. Os grupos que clamam o pan-celtismo e as ligações transatlânticas com as ilhas britânicas multiplicam-se, havendo a possibilidade de se disputar vários campeonatos: da superliga, às distritais. No meio de tanta parra e pouca uva, o colectivo dos irmãos asturianos TEJEDOR é um nome a reter. Devolvem-nos o prazer de escutarmos a folk que parecia encontrar-se numa encruzilhada. JOSÉ MANUEL TEJEDOR (o gaiteiro de exímia técnica) poderia seguir os mesmos passos de NÚÑEZ e de HEVIA, mas não o faz. Ainda bem. É certo que há neste disco, como também no primeiro “Tejedores de Suaños”, leves tentações de ceder ao fácil (são inevitáveis os inenarráveis teclados planantes e os “beats” de dança), mas com um certo controle. Se a folk é um poço de força, mestria técnica e emotividade, os irmãos TEJEDOR têm também a sua quota parte de culpa. São espantosos os diálogos entre a gaita de foles e o acordeão diatónico (de Javier) que, por si só, já asseguravam uma memorável gravação. Mas há mais. Muito mais: a abertura, “Gaites del Infiernu” é auspiciosa: gaitas, sanfonas, albokas, nickelharpas em chamas, numa resposta a “Bok Espok” de KEPA JUNKERA; o aroma asturiano feito de ritmos rápidos, ágeis e escorreitos (típico em LLANGRES e LLAN DE CUBEL), de uma certa aragem escocesa e que põem a nu toda a beleza acústica do bouzouki e das guitarras acústicas de Igor Medio (membro dos Felpeyu que, na sombra de JOSÉ e JAVIER executa um notável trabalho); a calorosa voz de EVE TEJEDOR interpretando deliciosos romances; e ainda há tempo para acabar em beleza com um solo de gaita de três minutos (“Floreu de Remis”) de nos tirar o fôlego.


BIDAIA
Oihan
( Resistencia / Sabotage )

Nem só de trikitixas e txalapartas é feita a folk basca. A par destes dois instrumentos, a alboka (que, curiosamente, dá nome ao interessante grupo de JOXAN GOIKOETXEA) assume tão ou maior protagonismo no Euskadi. A sua sonoridade estridente, semelhante à bombarda bretã, casa na perfeição com a sanfona ocitana de CAROLINE PHILIPS, oferecendo-nos um autêntico vespeiro a azamboar os nossos ouvidos. Ressonância amplificada pela acção do cordofone percutido local e milenar, Ttun-ttun (da família dos saltérios), feita com um nervo próprio do rock sem, contudo, ceder à tentação de amplificar instrumentos. Pequenos pormenores suficientes para falarmos da filiação BLOWZABELLA e HEDNINGARNA (apenas no pendor dançável e ressonante, se bem que não haja quaisquer vestígios de uma fusão acústica – eléctrica, mas a atitude paira por cá). Contudo, os BIDAIA vão mais longe. Não há frente sem dorso. Não há música profundamente arreigada sem olhar para o resto do mundo. Apesar de cantarem em euskera, marcando firmemente a sua identidade, a música dos BIDAIA viaja pelo mundo e pelo tempo. O saxofone e o contrabaixo imprimem um pendor mais jazzístico. As percussões de JABI AREA – darbouka marroquina e, sobretudo o cajon andaluz – dão-lhe uma cadência árabe-andaluz, que serve um propósito comum: o apelo irresistível à dança.


ALBOKA
Bi Beso Lur
(Aztarna)

Os Alboka poderiam ser os dignos sucessores dos saudosos britânicos BLOWZABELLA se tivessem nascido em Inglaterra. O seu repertório acenta em danças arin-arin, fandango, e contra-danças cuja ancestralidade que pode remontar a tempos medievais, exala uma modernidade semelhante aquela que os Hedningarna exibem. O nome ALBOKA diz respeito a um instrumento de sopro basco que possui uma sonoridade algo “drone” (de zumbido) situada entre a bombarda francesa e a sanfona. À característica ALBOKA, junta-se acordeão, bouzuki, guitarra acústica, violino, arpa e percussões oferecendo uma sonoridade que une energia basca à pureza irlandesa (um dos elementos do grupo é oriundo do país dos trevos) e cuja ancestralidade dá o mote para que se construa a folk marcadamente acústica do futuro.

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